Por: Leide Carneiro
O conceito do animal-máquina (…) mata a vida (…), transforma o que não é humano em puro objeto (Edgar Morin)
Pitágoras, Sêneca e Porfírio, acreditavam que a condição de todo ser
vivo é seu vínculo à teia da vida. Iguala-os, uma natureza frágil,
vulnerável à doença e à morte, ao bem-estar e ao próprio bem, constitui o
que se pode chamar de vida animal.
Para Pitágoras
(582-500 a C) amar todas as criaturas não-humanas era um dever. Ele
reconheceu, pela primeira vez na história da filosofia ocidental, “o
parentesco de todos os homens [...] com todos os seres vivos”.
(Jean-François Mattéi. Pitágoras e os Pitagóricos. São Paulo: Paulus,
2000, p. 39.)
O filósofo grego afirma ainda que quando
morre o corpo biológico tudo o que não é matéria perecível migra para
outra forma de expressão da vida. Ao perderem seu corpo, com a morte, as
almas de todos os seres vivos incarnam em novas vidas, humanas e
não-humanas. Por isso, maltratar animais não humanos é o mesmo que
maltratar humanos.
Plutarco e Porfírio defendiam que os
animais tinham capacidade racional. Ovídio e Sêneca acreditavam que os
animais possuíam capacidade de sentir dor.
Assim, desde os
tempos greco-romanos já se discutiam a senciência animal. (sentir dor,
sofrer, se comunicar raciocínio, inteligência, “alma”)
No
século XVIII, iluministas com Descartes (1596-1650 d C) concluíram que
os outros animais não tinham consciência e assim eram incapazes de
sentir qualquer emoção ou pensar. Para ele a capacidade de pensar e a
sensibilidade faziam parte da alma. Como não acreditava que os animais
tivessem alma, não havia nenhuma possibilidade de sentirem dor. Ele
afirma: os animais são apenas maquinas; porque se importar com eles?
Todos os animais não-humanos são autômatos que não podem sentir dor.
Para ele, se um animal gemia, era devido apenas a um reflexo, como uma
reação que se obtém de um boneco mecânico. Portanto, não via razão
para se usar anestesia nos experimentos com animais. Assim, cresceu a
exploração animal.
Voltaire, um grande filósofo que levava em
consideração o bem-estar animal, respondeu em seu livro Dicionário
filosófica à conclusão de Descartes de que os animais eram apenas
máquinas.
Que ingenuidade, que pobreza de
espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e
sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem,
nada aperfeiçoam! Será porque falo que julgas que tenho sentimento,
memória, ideias? Pois bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito,
procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra
tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que
experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e
conhecimento. Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e
procura-o por toda a parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado,
inquieto, desce e sobe e vai de aposento em aposento e enfim encontra
no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos
ladridos, com saltos e carícias. Bárbaros agarram esse cão, que tão
prodigiosamente
vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam vivo
para mostrarem-te suas veias mesentéricas. Descobres nele todos os
mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas. Responde-me maquinista,
teria a natureza entrosado nesse animal todos os órgãos do sentimento
sem objetivo algum? Terá nervos para ser insensível?
Só
em 1776, quando Humphry Primatt, em sua tese de doutorado “A
dissertation on the duty of mercy and the sinn of cruelty against brute
animals”, defendeu a igualdade de direitos entre os animais foi que
começou a luta em benefício da proteção aos animais Nos seus critérios
de definição ele descreve que em prol de interesses próprios se levou em
conta à configuração biológica dos seres e não os interesses em comum
entre eles e que desta forma, feria a exigência de imparcialidade como
definição de um principio de moral. Que a igualdade não conseguiria ser
alcançada enquanto esse critério, de configuração biológica, continuasse
a ser utilizado, pois agia mais como uma forma de discriminação do que
de igualdade, pois diferia os animais pela sua configuração física.
Nota-se que, para Primatt, o homem é um animal, como todos os outros e
que se levar em conta os interesses em comum, todos os animais são
capazes de sentir dor e de sofrer. Afirma ainda que a superioridade
conferida aos animais humanos, desaparece quando estes utilizam suas
habilidades para maltratar, humilhar, torturar e desprezar aqueles que
não possuem esta superioridade.
Primatt não atribuía
direitos aos animais não humanos apenas lhes tinha empatia, para ele,
os humanos deveriam ter compaixão pelos animais não humanos. Seus
argumentos são em defesa da ética moral no que concerne a dor a ao
sofrimento de animais humanos e não humanos. Ele afirmava que quanto
maior o grau de inteligência e de raciocínio, maior responsabilidade de
suas ações sobre a vida, o bem-estar e a felicidade dos outros,
aumentando assim o dever de moralidade do ser humano nas relações com
os outros animais.
Em 1789 influenciado pelos textos de
Primatt, o filósofo inglês Jeremy Benthan, em seu livro Introdução aos
Princípios da Moral e da Legislação, 1823, Cap. XVII.) escreveu: A
questão não é, podem eles raciocinar? Ou podem eles falar? Mas, podem
eles sofrer? Bentham sustenta que nem a racionalidade nem a capacidade
linguística são condições necessárias para ter estatuto moral. Para que
um ser seja eticamente considerável, basta que seja senciente, isto é,
que tenha a capacidade de sentir dor ou prazer. Bentham sugere também
que o modo como desconsideramos o sofrimento dos animais não humanos é
comparável à desconsideração de alguns pelos seres humanos de outras
raças. Estudos apontam que ele foi o primeiro autor a sugerir uma
analogia entre o racismo e a atitude que hoje é denominada especismo: a
discriminação baseada na espécie.
Ainda no século XVIII,
Immanuel Kant sustenta a ideia de que todos os nossos deveres
relativos aos animais são meramente “indiretos”:
Os
animais não têm consciência de si e existem apenas como meio para um
fim. Esse fim é o homem. Podemos perguntar “Por que razão existem os
animais?”. Mas perguntar “Por que razão existe o homem?” é colocar uma
questão sem sentido. Os nossos deveres em relação aos animais são apenas
deveres indiretos em relação à humanidade. […] Assim, se um homem
abater o seu cão por este já não ser capaz de o servir, ele não infringe
o seu dever em relação ao cão, pois o cão não pode julgar, mas o seu
ato é desumano e fere em si essa humanidade que ele deve ter em relação
aos seres humanos. Para não asfixiar os seus sentimentos humanos, tem de
praticar a generosidade em relação aos animais, pois aquele que é cruel
para os animais depressa se torna rude também no modo de lidar com os
homens. Podemos julgar o coração de um homem pelo modo como ele trata os
animais. ( Lições sobre
Ética incluído em Tom Regan e Peter
Singer, orgs., Animal Rights and Human Obligations, 2.ª ed., Englewood
Cliffs, Prentice-Hall, 1989, pp. 23-24.)
Apesar de tantos
filósofos, defenderem a causa animal só a partir do século XIX surge a
primeira Associação de Proteção aos Animais.
O fisiologista
francês Claude Bernard (1813-1878) dizia que o uso de animais vivos era
indispensável para experimentações e, por isso, ele mantinha um
laboratório e um biotério nos porões de sua própria casa. Cansadas de
ouvir os gritos de animais que diariamente eram torturados, a esposa e a
filha de Claude o abandonaram e fundaram a primeira sociedade francesa
em defesa dos animais. A partir dessa associação, outras sociedades
protetoras dos animais também foram fundadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2001
BENTHAM,
Jeremy. Uma Introdução aos princípios da Moral e da Legislação.
Tradução: Luiz João Baraúna.3.ed.São Paulo: Abril Cultura, 1984
CHUAHY, Rafaella. Manifesto pelos direitos dos animais. Ed. Record, pp. 12 - 14, Rio de Janeiro, 2009.
SINGER, Peter. Libertação animal. Tradução por Marly Winckler. Porto Alegre: Lugano, 2004.
KANT,
I., 1994. Pure Practical Reason and Moral Law. In: Ethics (P. Singer.,
ed.), pp. 123-131, Oxford: Oxford University Press.
DESCARTES,
R., 1989. Animals Are Machines. In: Animal Rights and Human Obligations
(T. Regan & P. Singer, eds.), pp. 13-19, New Jersey: Prentice Hall.