Apesar da trágica lembrança, nada mudou na vida profissional do jovem cevador. Quase um ano após o acidente, o trabalho de risco persiste diante de um equipamento que já mutilou mais de 2.000 produtores de toda região sisaleira, que é composta por mais de 30 municípios. “Eu tenho medo que ocorra de novo, mas não tenho outro meio de sobreviver”, explica o motivo de ainda se arriscar meio à vegetação seca do semiárido baiano.
As vítimas do motor do sisal estão espalhadas pelas comunidades de Conceição do Coité. Morador do “Assentamento Nova Palmares”, a 12 quilômetros do centro do município, o próprio Edson Oliveira relata que não foi o primeiro da família a ter sido vítima do equipamento. “Eu tenho um tio que cortou até aqui”, disse apontando para o antebraço. Em caso próprio e sobre o parente, o cevador comenta que os acidentes ocorreram durante descuidos de segundos. “Eu vacilei. Num momento de distração, a minha mão desceu. O trabalho exige muita atenção”, explica o produtor que desfibra sisal há 10 anos.
“Nesse período, meu pai ainda era vivo e ele me deu sustento até quando eu consegui, assim, um custo. Aí, depois que eu consegui, meu pai parou de me ajudar. Sempre agradeço a meu pai, que foi quem me ajudou quando eu me acidentei”, disse emocionado. Após décadas, ainda é difícil para Antônio lembrar dos momentos do desastre. Seus olhos marejam ao reaver os traumas de uma adolescência perdida.
“Eu passei um ano e meio que não aguentava nem passar nem perto do motor trabalhando assim, que eu me lembrava. Ficava naquele pensamento. Fui indo, fui indo, fui indo. Pedi por Deus e fui esquecendo. A gente trabalhador de roça vê muita coisa, né? Foi passando esse tempo, mas de vez em quando me lembro ainda”, desabafa.
Hoje em dia, Antônio ainda opera o motor mutilador. “Mas faço de tudo para não lembrar daquele dia”, ressalta a força que empreende para dar continuidade ao serviço que possibilita a manutenção de mais de 700 mil pessoas em toda região sisaleira.
Antônio trabalha na máquina de Bráulio Oliveira, de 49 anos. O produtor rural herdou o equipamento do pai, em 1974, sendo que o produto foi adquirido pela família em 1949. O trabalho do dono e do cevador se misturam. Eles atuam juntos na colheita, transporte e desfibração do sisal.
“As máquinas que usamos são muito antigas. O problema é que os melhores técnicos não veem na região para criar uma máquina. Lá nos Estados Unidos mesmo, lá não tem sisal. Então, eles não têm como criar uma máquina, uma tecnologia para trazer para cá. E se também fizer vai vender a quem? Porquê uma máquina dessa deve ser cara”, argumenta.(G1-Bahia)
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Bráulio Oliveira, de 49 anos, é dono de motor de sisal