O rádio digital brasileiro pode morrer antes de nascer
Por Ismar Capistrano Costa Filho, no Observatório da Imprensa
Desde 2006, o governo brasileiro adotou o padrão ISDB-TB de TV
Digital, que permite convergência, interatividade e multiprogramação.
Mandar a opinião, votar em enquetes, assistir outros programas no
mesmo canal e até mesmo acessar a internet, através do aparelho
televisivo, são possibilidades dos espectadores neste modelo. No
entanto, tudo isso parece mais cena de ficção futurista do que
realidade. O explícito boicote das emissoras aos recursos digitais e a
ausência de regulamentação governamental revelam que a TV digital
brasileira ainda inexiste, senão como canais HD (alta definição de som e
imagem) porque o interesse empresarial, que predomina também no
Ministério das Comunicações, tenta construir uma TV com menor custo,
maior lucro e uma audiência concentrada em poucos canais, o mais
passiva, acomodada e disciplinada possível.
O rádio digital corre o risco de repetir a fatídica situação. Com
atraso de, pelo menos, cinco anos, o governo federal ainda não definiu
seu padrão (IBOC e DRM são os principais concorrentes), nem as
diretrizes do modelo. Somente em agosto de 2012, o Ministério das
Comunicações criou um Conselho Consultivo para discutir esta decisão.
Composto por representantes do governo, das emissoras e dos fabricantes,
o órgão tem sua primeira reunião no dia 23 de outubro. Além de
atrasada, a discussão começa totalmente desequilibrada. Sem quase
investimentos, o Conselho não conta com qualquer estrutura para sua
instalação, sequer as condições para participação dos conselheiros é
garantida. Não há subsídios para passagens, transporte, hospedagem e
alimentação para quem voluntariamente prestará o serviço público de
construir posições para a decisão governamental sobre o tema.
Grupos empresariais são favorecidos
Além de institucionalizar a gestão de financiamento do privado para o
público, a situação favorece a inversão dos interesses sociais em
particulares, dado que a falta de condições simétricas para a
participação no debate privilegia os grupos empresariais. A
impossibilidade de entidades como a Associação Brasileira de
Radiodifusão Comunitária (Abraço) enviarem seu representante titular por
falta de recursos financeiros enfraquece a defesa de uma rádio digital
popular e democrático.
Pensar este modelo é muito mais do que a escolha de um padrão e os
custos para implantação. É planejar e executar uma série de medidas que
possibilitem mais amplos acessos e participação no rádio digital. É
muito mais do que uma questão tecnológica. É uma decisão política que
deve orientar a horizontalização da produção e potencialize o uso da
tecnologia. Assim, muitas questões e escolhas podem ser elaboradas. Como
empoderar as pequenas e médias emissoras a produzirem conteúdo
multiforme, interativo e colaborativo? O modelo irá agravar as
diferenças entre os grandes e pequenos grupos radiodifusores? Como a
multitransmissão num mesmo canal será distribuída? As emissoras poderão
veicular diferentes programações simultâneas ou os canais serão
compartilhados por emissoras educativas, comunitárias e comerciais? O
rádio digital poderá ser uma forma de acesso à internet, possibilitando
inclusão digital? Como os ouvintes serão preparados para o uso da nova
tecnologia? Haverá orientações para sua participação mais efetiva na
produção e gestão das emissoras?
A falta de condições de paridade de participação nesse Conselho
revela que não há no governo disposição política de, provavelmente,
debater essas questões, respondê-las e, muito menos, executá-las.
Reflete também a inexistência de uma política pública de comunicações,
favorecendo a força dos grupos empresariais consolidados pelo mercado de
gerir, conforme seus interesses bens públicos, como a radiodifusão, que
deveriam alicerçar a educação e a participação cidadãs.
***[Ismar Capistrano Costa Filho é doutorando em Comunicação pela UFMG, mestre em Comunicação pela UFPE, jornalista pela UFC, coordenador executivo da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária no Ceará (Abraço Ceará) e membro titular do Conselho Consultivo do Rádio Digital]